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Coisa de Loki

Por em Jul.07, 2009, Categoria Cultura

“I don’t want to spent my life in a rock’n roll fantasy”, The Kinks

Desde Love Story não lembro ter chorado tanto num filme. Começou assim, devagarinho, depois foi aumentando, aumentando. Quase pedi emprestado o lenço da minha mulher, que naquele momento compartilhava as lágrimas a que fui levado ao assistir Loki.

Loki era gíria dos anos 60/70 utilizada para denominar o maluco, o fora do sistema. Arnaldo Dias Baptista foi tudo isso e muito mais. Foi um gênio. Ao lado dos incomparáveis Sérgio Dias Baptista, irmão e exímio guitarrista, e da divina Rita Lee, formaram a base de uma das bandas mais aclamadas de todos os tempos: os Mutantes.

Três meninos insuperáveis que, somando-se ao baixista Liminha e ao batera Dinho Leme, construíam suas caixas acústicas, alguns de seus instrumentos e, mal saídos das fraldas, encararam a turma da MPB num dos festivais da Record, ajudando Gilberto Gil a imortalizar Domingo no Parque.

O trabalho dos Mutantes ganha dimensões diferenciadas cada vez que o ouço. Canções que mexem com estados de espírito, que fazem a gente sair do lugar comum. Descobri os caras no final dos anos 70, depois da dissolução do grupo. Viciado em revistas de música, e ligado em tudo o que o rock’n roll podia oferecer de melhor, li na revista Música crítica super positiva para o disco solo do Arnaldo Singing Alone, bolacha que sucedia outra obra solo, Loki, uma verdadeira preciosidade.

Fui atrás do Singing Alone, escutei, achei estranho, um cara meio depressivo, mas de uma sonoridade e poesia incríveis. Os Mutantes mesmo só tomei contato efetivo tempos depois, em que pude apreciar Panis et Circenses, álbum que marca a Tropicália de Gil, Caetano, Tom Zé, da belíssima Gal, do maestro Rogério Duprat & Cia. Ilimitada. Juro: pirei. Coisa de Loki.

Daí não tinha mais jeito, ouvi os Mutantes a primeira, a segunda, a enésima vez até assisti-los em 2007, com Zélia Duncan no lugar da Rita, quase 30 anos depois da sua última apresentação em Sampa. Era 25 de janeiro, aniversário da cidade, e o local não poderia ser mais emblemático, o jardim do Museu do Ipiranga. Eu e mais 80.000 fãs enlouquecidos testemunhamos ali, bem à nossa frente, a energia dos sobreviventes das críticas, dos preconceitos e moral idiotas; das piores tintas com as quais os pintaram, matizes incapazes de encobrir o talento de quem o possui de dó a dó. Vimos o Arnaldo, vivíssimo e cheio de luz, como sempre.

Em 1982 ele tentou o suicídio, jogando-se de uma janela do hospital em que estava internado, ficou meses em coma e voltou. Voltou porque tinha e tem muito a fazer. Povoar o planeta com suas cores lisérgicas, que hoje já não precisam do LSD para tomar formas psicodélicas, bastando um punhado de pincéis – sim, virou artista plástico – para dar vazão ao seu mundo, mais humano, carinhoso, possível.

Voltou para nos dizer que ter ido foi necessário para voltar, como profetisa Gil em Back in Bahia. Voltou para cantar Desculpe Babe, Top Top, o A e o Z, Ando Meio Desligado, Balada do Louco e por aí vai. Voltou para nos dar a oportunidade de ver quem foi e como será daqui a umas dez mil encarnações.

Loki conta essa história, no mínimo emocionante, de três garotos da Pompeia, bairro paulistano em que, coincidência, encontra-se a Presença. Bairro de outros tantos garotos que tinham uma banda e um talento fora do comum.

Loki é mais uma das inúmeras e superlativas produções do gênero com que nossos cineastas nos presenteiam. Não por terem achado um filão mercadológico na exploração do memorialismo recente, mas por nos darem a oportunidade de nos vermos, reconhecermos, nos sentirmos e comemorarmos. Por resgatarmos, repito, nossa genialidade que insiste muitas vezes em se esconder de nós mesmos.

Loki faz par com outro belíssimo filme há pouco chorado por mim, Ninguém Sabe o Duro que eu Dei, a respeito do grande Simonal. Do filme do Paulo “Ronda” Vanzolini; de Música é Perfume, a respeito da Bethânia – quando cheguei em casa, depois de Loki, com ramela de olho para tudo quanto era lado, o GNT o estava reprisando; assisti novamente. Do filme do Paulinho da Viola, do Nelson Freire, do Vinícius, do Chico, do Cartola, da leitura do Cazuza. De tantas e tão boas fitas, que nos fazem lembrar que somos felizes por tê-los todos e mais outros tantos a povoar nossos sonhos, nossos melhores momentos, de nos fazer celebrar a vida.

Os Mutantes são a prova concreta que os caras embarcaram no sonho do rock’n roll. Ao contrário do que Ray e Dave Davies do The Kinks enxergaram, nossos meninos se entregaram completamente a essa trip. Graças a Deus Arnaldo Loki Baptista voltou. Mudado, mas sem nunca ter deixado de ser um Mutante.

Fernando Brengel

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